sábado, 28 de julho de 2007

Dogville (2003)

Por: Flávio André



É um filme pra ver e rever, analisando cada aspecto e encontrando nos mínimos detalhes a riqueza desta película, não por ser apenas um filme de autor, mas por desvendar através de uma dura crítica social os comportamentos humanos com um profundo pessimismo. É o primeiro de uma trilogia que segue com Manderlay (2005) e Washington (2007). Pra ser sincero achei um “saco” nos primeiros minutos assisti-lo, devido à própria forma de o diretor elaborar o cenário, cenário este que lembra um espaço teatral, onde os lugares são delimitados por simples riscos ao chão. Porém ouvi-se as batidas das portas, o latido do cachorro e imagina-se os arbustos (todos abstratos no filme).









A história se passa na década de 30 do século passado numa cidade chamada “DogVille”, vilarejo entre as Montanhas Rochosas nos EUA, onde não mais do que quinze pessoas habitam. A vida da pacata cidade (que vive debaixo de uma profunda miséria e pobreza, resultada da própria conjuntura nacional) se transforma quando Grace (Nicole Kidman) aparece lá “do nada” fugindo de um grupo de gângsteres. Tom (Paul Bettany) a acolhe e convence os moradores a abrigarem a fugitiva. Com o consenso de todos, ela permanece na cidade mediante a incumbência de exercer trabalhos exercidos para a comunidade. A partir daqui Grace se apega a cidade e as peculiaridades das personalidades de cada morador. No entanto a pressão da polícia para achar a tal “desaparecida” faz com que os moradores de Dogville explorem-na mais e não a deixando fugir. Agora os papéis se invertem. Grace percebe os defeitos de cada um. Luxúria, avareza, ira, orgulho... São todos detectados por ela. A fugitiva amada e elogiada a priori, torna-se um “objeto estrupado” pela arrogância daqueles a quem ela admirava. Lars Von Trier (diretor) tenta metaforear através do próprio cenário (o qual não esconde no interior das “casas” as ações dos personagens) que as pessoas são constantemente mutáveis e profundamente desumanas. Os personagens são “despidos” periodicamente, agindo conforme seu instinto próprio de interesses. Esta é uma parte que para mim foi muito forte e altamente inquietante. A pregação do pessimismo em relação à humanidade é notória. Grace ainda acredita no perdão e na mudança das pessoas, motivo pelo qual a deixa, ainda, presa a cidade.









No entanto, seu pai (um famoso gângster) a encontra e questiona esse discurso, poderíamos dizer utópico?, deixando a critério da filha a decisão vingativa ou não do destino daquelas pessoas. O conflito na mente de Grace (des)constrói o que para ela era uma verdade. Tom (personagem muito dúbio no filme) que demonstra ser o filósofo que vive “pregando” coisas que não vive, tipo o intelectual dos nossos dias que permanece medíocre no seu discurso e que se torna vítima dele próprio, é incapaz de proteger e reconhecer em algumas vezes o entorno da situação de prepotência, a quem também é participante. Sua decisão é incendiar a cidade e exterminar todos. O único que se livrou do massacre foi “Moisés”, cachorro que no início do filme já não gosta de Grace (pois esta teria roubado seu osso).




Aqui é lançada uma frase do narrador “será que alguém terá coragem de perguntar? e se isso for feito, será que alguém terá coragem de responder?”. Nem a escassez de cenário e ausência de trilha sonora diminui a grandiosidade da película. O filme encerra-se com fotografias de pessoas da época nos Estados Unidos, frutos da desumanidade a quem o filme se empenha em desmascarar.
Por isso foi bastante criticado, acusado até de “antiamericanismo”. “Antiamericanismo” ou não, o filme se transforma numa obra-prima, porque pode ser reproduzido em qualquer época ou lugar, pois reproduz visivelmente a mediocridade do ser humano. Somos desumanos pelo simples fato de existirmos.

10 comentários:

Dr Johnny Strangelove disse...

eu gostei de Dogville porém não acho Nicole uma boa atriz. Mas Lars Von Trier arrancou leite de pedra e conseguiu fazer a unica interpretação dela que eu gosto de ver por que ela não me convence como atriz ...
dizem que Manderlay é melhor ? ou não?
abraços

Wanderley Teixeira disse...

Comentei há pouco tempo sobre Dogville(no m~es de Junho) e realmente é um dos meus preferidos.Adorei o q falou do personagem de Paul Bettany é exatamente esta imagem q tenho dele,o intelectual q é vítima do personagem q criou para si.Dogville tende a ser pessimista em seu universo para ser objeto de reflexão nosso,aprendermos a lidar com nossa natureza q como o próprio filme mostra é bastante perigosa.Vejo muito mais como uma proposta para discutir o comportamento humano em sociedade do q essa conexão direta com a política americana,apesar de ser perfeitamente aplicável.Ah!Naum custa nada repetir: Nicole Kidman é intocável neste filme!Excelente atuação!

Vinícius Lemos disse...

UM filme à primeira vista estranho, mas q deixa um ponto d interrogação na cabeça d q kem o v. Vale muito a pena justamente por não ser algo explicadinho e deixar o público tirar algumas conclusões.

Andressa Cangussú disse...

(Rafa falando)

Lars Von Trier é puto de um diretor. Depois dessa obra-prima eu fiquei fã do cara (pena que esteja atualmente sofrendo de depressão). Do início ao fim ele constrói uma narrativa inovadora que nos deixa de queixo caído. Tudo no filme funciona. A disposição daquele cenário imaginário espetacular, as atuações que são todas, sem exceção, excelentes e, claro, na incrível direção. Não achei Manderlay tão bom como esse (o impacto do primeiro nunca vai ser superado, eu acho), mas segue a mesma estrutura. Longa vida ao Von Trier. Valeu Flávio!

Mob Cranb disse...

Gostei bastante de sua análise, principalmente na última frase do seu texto.Acho que, por esse motivo, o cão é o único sobrevivente no final do filme, pois ele não finje ser bom ou ruim, ele demonstra logo o que é, como vc mesmo percebeu, quando Grace chega a cidade, ele,o cão, não é nada simpático com ela,ou seja,ele não fingiu ser uma coisa e depois volta atrás,como acontece com os personagens de Dogville e também em Marderlay (com as devidas restrições,obviamente).E sobre a Nicole, esse é um dos poucos filmes que gosto da atuação dela.

Mob

Cine Ôba! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cine Ôba! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cine Ôba! disse...

ótima interpretação de Mob sobre "Moisés"!!!!

e com certeza, Nicole Kidman está impecável!!!

vlw!!!!
(Flávio)

Unknown disse...

É isso mesmo, assumidamente antiamericano, mas vai muito além do territorial. Na minha opinião é uma obra-prima que faz uso de uma linguagem cinematográfica totalmente inovadora, coisa de gênio. E, também na minha opinião, não é simplesmente teatro filmado. Tem edição, closes, steady, narração... um monte de recursos magistralmente usados. Sou fã mesmo hahahaa!

Pena que Lars Von Trier, até pouco tempo atrás, estava internado em uma clínica com depressão. Ficou devendo "Wasongton" para fechar a trilogia.

Abs.

Unknown disse...

dogville é um filme fraco.

apocalíptico, manipulador, determinista e mal intencionado. é uma pena, pois, mesmo com o senso estético do diretor, não coaduna bem as idéias e acaba tirando conclusões absurdas.

em um quadro: o problema é o tratamento que a protagonista recebe do roteiro. a estranha fugitiva abrigada na cidade pequena passa por tantas provações impostas por seus moradores que começa a questionar se vale a pena se esconder. mas não é bem assim. não há questionamento. há apenas o perdão e o perdão. perdão que caminha para uma conclusão que não tem o tom do filme. von trier começa indagando a capacidade de aceitar o que vem de fora, o que é diferente, mostrando o poder de crueldade escondido em cada pessoa. e, além disso, a capacidade de resistência de cada um. mas as três horas de filme nos trazem um final que parece um momento pilatos do diretor. um momento em que von trier joga os questionamentos pro alto e resolve não chegar a nenhuma conclusão. o filme abdica de uma tomada de partido e isso é ruim para um filme que se pretende muito.

e ao mesmo tempo, toma partido, com aquele final ridículo com as imagens das vítimas do sistema que ele se recusou a de fato exibir.