
Essa é uma das grandes obras do diretor francês François Truffaut. Como um dos ícones da Nouvelle Vague defendiam uma produção autoral, ou seja, delimitada por um espaço individual partindo do diretor. Baseada na obra de Ray Bradbury, o filme retrata um sociedade de um futuro não muito distante (interpretado pelas próprias semelhanças de hábitos, vestuários e outros aspectos do século passado) onde os livros eram visto como instrumentos de infelicidade e discórdia.

Aos bombeiros era designada a tarefa de queimar qualquer livro encontrado (o título da obra revela o grau de temperatura que o fireman queimava os papéis, correspondendo comparativamente a 233 graus Celsius). Essa sociedade totalitária era governada pelo que o filme chama de a “Família” dando a própria noção de uma comunidade ligada intimamente a uma “ordem”. Pra se ter uma idéia, em um dos fragmentos do filme (entendendo o filme como um texto) Montag (Oscar Wener), um dos bombeiros, é indagado o que faz boa parte do seu tempo de folga. Ele responde: cortando grama. O superior prossegue dizendo o que Montag faria se isso fosse proibido. Este responde que observaria elas crescerem.

Percebemos como o poder crítico foi perdido devido à distância do contato com os livros. Não existe nada de questionador, tudo é plenamente aceito quando imposto pela “Família”. Montag, no entanto, conhece em uma de suas idas no metrô, uma mulher que o faz questionar a “ordem” e seus pensamentos a respeito dos livros. Confuso, dividido, decide roubar alguns livros (que deveria queimar) e lê-los. Ao mergulhar nestes “mundos” detecta como sua sociedade é presa ao comodismo. Percebe como a futilidade de vida que sua esposa leva em frente a uma “televisão”, conformada em simplesmente obedecer mesmo sem compreender. Perturbado com tudo aquilo, tenta de alguma forma mudar a situação, influenciar as pessoas a seu redor a pensar. Seus pensamentos são bombas em suas convicções, e suas leituras respaldam ainda mais elas. Montag não se vê mais como um membro dessa suposta “Família”, conhece uma comunidade livresca onde cada indivíduo incorpora um livro. Seus nomes são os títulos destes livros, e suas atividades são reciclar em suas mentes cada palavra, cada página do livro.
"É um aspecto do filme que escapou a todo mundo e me parece importante: a apologia da astúcia. ´Ah, então os livros estão proibidos? Então, muito bem, vamos aprendê-los de cor´. É o supra-sumo da astúcia. Não me farão assinar com outros amigos cineastas um manifesto contra a censura, pois creio haver cinqüenta maneiras de se enganar, de vencer a censura e de se enviar a todos os outros países um filme exatamente como se quer que ele seja. A meu ver, isso é melhor em relação à violência. Não lutarei em nome de princípios. Tenho uma idéia completamente pessimista em relação à sociedade humana na qual vivemos". (Truffaut)
Não é de se esperar que nesta aldeia global onde vivemos, isso seja uma realidade não muito distante ou utópica. Essa reflexão de Truffaut nos perturba, pois nos preocupa o caminhar da humanidade ao supérfluo. Muitas vezes já associamos este assunto ao período da Idade Média e a repercussão do index. Mas nos esquecemos que atualmente aceitamos conceitos e valores, impostos por um símbolo de poder (como diria Focault, esse poder esta no mais íntimo das relações pessoais) principalmente pela mídia (lembrando de uma propaganda que atualmente tem passado na mídia sobre a TV digital onde a personagem diz que pelo menos com aquela teríamos diálogo.... hum, será?) sem passar pelo crivo auto-crítico. São muitas as pessoas como a mulher de Montag, presas a seu mundinho, ao “seu” raciocínio que não é seu. Montag é uma representação do homem desprendendo das relações de um poder em busca da “libertação” de seus tradicionais paradigmas. Um indíviduo arriscando sua própria vida numa aventura de entender a si próprio...
Deixemos nossas futilidades e alienações. Pensemos. E não deixemos nossos livros (convicções) irem pra fogueira ou vivamos escondidos como terroristas.

Obs.: isso é apenas uma leituras das diversas que cada um, devido suas experiências podem ter... Às vezes fico irritado comigo mesmo na minha fragilidade humana de não abarcar o todo, de deixar desapercebido tantas coisas que nem vi, mas sei que existi... deixa pra lá, esquece! Abraços!
3 comentários:
Lígia passou por aqui.
...
e gostou.
Ainda não vi esta obra obrigatória! Mas pelo seu texto percebi que é um filme de um futuro que sempre estamos próximos de chegar...traduzindo de outras maneiras, talvez já chegamos!
Muito bacana o texto...fiquei interessado pelo filme, mais do que já era!
Sobre a Obs., é comum não conseguirmos extrair tudo de um livro, música, filme...enfim, de tudo! Mas o importante é extrair!
Abraço!
Interessante sua colocação - assim como fiz - em relação a Foucault também, incrível como ele se encaixa nesse filme, ou melhor, suas premissas.
Não me prendi na personagem de sua mulher frente a TV, interessante o que vocÊ colocou - e acho que cada vez mais caminhamos para a sociedade do supérfulo, do "tudo é descartável". POrém as vezes me questiono se isso é a ordem natural das coisas (isso existe?) ou resistimos a isso? Eles resolvem decorar os livros, ok, ams que validade tem?
São questionamentos que sempre me fazem refletir bastante, afinal, não estamos na pós-modernidade, onde não existe coletivo e sim só sujeito?
Mas é um filme, enquanto cinema, que consegue ser tão questionador que parece que nunca vamos terminar de debate-lo, o que é a melhro coisa de todas em se tratando de cinema.
falow!
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